quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O canto dos excluídos

Desfile de Sete de setembro em Natal ao fim, pessoas já se deslocando para suas casas, e eu apenas chegando ao local com um ar de desgosto, afinal, tinha perdido toda a festa, por conta de não saber exatamente onde seria e pelas péssimas informações obtidas pelos natalenses.
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Olho ao lado para a praça central e me deparo com um grupo de pessoas vestidas de vermelho com latas grandes e baldes amarrados por fios na cintura. Tenho a impressão de ver um grupo de maracatu e então me recordo que já havia os visto no credenciamento do Intercom. O grupo se chama Pau e Lata e não seriam -necessariamente- um grupo de maracatu, assim como imaginara. Atrás vejo que ninguém liga para a apresentação do grupo, e eu já delirando espero o encerramento da apresentação para conferir com o seu líder, chamado Danúbio, o porquê de ainda estarem ali na praça, já que as alegorias que tinham se apresentado no desfile já haviam ido embora.
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Enquanto espero vejo que atrás do grupo, na grama da praça, existe uma presença maciça de um grupo de sem terras, de olho conto superficialmente e percebo que mais de 150 pessoas se aglomeram.
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Alguns minutos de apresentação e Danúbio decide parar. Como quem não quer nada chego ao seu lado e logo puxo uma conversa, tentando entender o que se passava em minha frente. Danúbio explica que há 4 anos o Pau e Lata se apresenta sempre no final do desfile de 7 de setembro junto ao MST, em Natal. ele denomina este desfile improvisado de “O canto dos excluídos”, pois o grupo nunca tivera a chance de desfilar na avenida central desde a sua estréia, explica que para os organizadores do evento, o Pau e Lata não passa de um grupo barulhento que estragaria a festa caso desfilasse e o MST um bando de baderneiros que ficam lutando por uma causa besta sem lógica. (Como se lutar por um pouquinho de terra fosse algo inútil).
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A hora do almoço está chegando e sou surpreendido por um pedido de um membro do MST para que almoce com eles ali no local, fico meio sem reposta, confesso que com um ar de preconceito e de vergonha, mas decido aceitar. Danúbio conversa com o resto do grupo do Pau e Lata e eu a ouvir. Logo fico sabendo do quebra pau que ouve minutos antes de minha chegada à Praça Deodoro. Policiais se confrontando com os membros do MST, isto porque as pessoas também queriam o direito de manifestar suas ideologias em pleno desfile.
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Policiais batendo em crianças e mulheres, tempos de ditadura passam em minha cabeça quando vejo o Danúbio falando, tempos que apenas vi em filmes ou documentários, mas que a partir daquele momento pareciam reaparecer fortemente.
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Converso com um dos lideres do MST e ele explica que o povo brasileiro não sabe de nada, não sabe o que é sofrer por um “bocadinho de terra” apenas para plantar e veem seus filhos colhendo os frutos. Me mostra que o que sabemos é somente o que a televisão passa, ou seja, sempre o lado do mais forte, o lado do latifundiário, o lado dos poderosos, diz que “olhamos sempre os sem terra como uma corja de arruaceiros, e invasores”. Naquele momento me senti um tolo, olho ao lado e vejo uma senhora chorando ao agradecer o grupo Pau e Lata por continuarem tocando enquanto muitas pessoas brigavam com os policias, chorando dizia que essa seria a única arma deles como sempre foi. Utilizando a música para demonstrar que o Brasil precisava mudar, o Brasil que há muito tempo prometeu uma melhor distribuição de terras, e o que vemos hoje? Apenas pequenas pessoas detentoras de grandes quantidades de terra, que muitas vezes não as utilizam e fazem através da força com que muitas pessoas nem se quer cheguem perto de suas propriedades.
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Sempre com um jeito calmo o líder do Pau e Lata afirmava que a partir da música tudo pode ser mudado, desde que se tenha fé. Lembra a todos que foi assim com os escravos que faziam seus cantos de libertação e que de alguma maneira eles sabiam que um dia seriam ouvidos por seus deuses e seus orixás, e que por essas e outras O canto dos excluídos não acabaria com seu encanto apenas por uma simples batalha.

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